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Entre invenção e impacto: o que os dados do INPI e do GII revelam sobre a urgência da inovação em saúde no Brasil


Laboratório de pesquisa - bandeira do Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um paradoxo persistente: produz cada vez mais ciência, mas segue transformando pouco desse conhecimento em inovação tangível. O Anuário Estatístico de Propriedade Industrial 2024, publicado pelo INPI, e o Global Innovation Index (GII) 2025, lançado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), reforçam essa dissonância.


Os dados mostram um país que evoluiu em infraestrutura científica e capital humano, mas que ainda patina na conversão da pesquisa em produtos, tecnologias e terapias com impacto social. O contraste é ainda mais evidente nas áreas de saúde, farmacêutica e biotecnologia, justamente as que mais dependem de marcos regulatórios sólidos e de capital paciente.


1. A ciência avança, mas inovação em saúde no Brasil ainda emperra

Segundo o INPI, o Brasil registrou 27.701 pedidos de patente em 2024, uma leve queda em relação a 2023. No entanto, o número de depósitos de residentes nacionais cresceu 10,3%, sinalizando vitalidade no sistema de inovação doméstico. O problema está na outra ponta: apenas 18% dos pedidos são de origem brasileira, e a maioria das concessões ainda vai para depositantes estrangeiros.


O IBIS Insights já havia analisado essa distorção em “Apenas 10% das patentes no Brasil têm origem brasileira: o que isso significa para nossa soberania”. O novo anuário confirma que essa proporção se mantém praticamente estável, apesar de avanços em infraestrutura e capacitação tecnológica.


A queda de 32,8% nas concessões de patentes em 2024 também chama atenção. É um sinal de que o gargalo do exame técnico, embora reduzido nos últimos anos, ainda é relevante, especialmente em setores de alta complexidade, como fármacos e biotecnologia, onde a média de tramitação supera seis anos.


O aumento dos depósitos de residentes mostra que o Brasil tem base científica e capacidade de invenção, mas a transição para o registro internacional continua limitada. Em 2023, o país apresentou menos de 500 pedidos via Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), segundo a OMPI, enquanto a Coreia do Sul ultrapassou 20 mil. Esse dado demonstra o caráter doméstico e pouco internacionalizado da inovação brasileira: patentes sem projeção global perdem relevância comercial e valor estratégico.


2. No ranking global, o Brasil segue intermediário, e previsível

O Global Innovation Index 2025 coloca o Brasil na 52ª posição entre 139 países, ligeiramente abaixo do resultado do ano anterior. Apesar disso, o país segue como líder regional na América Latina, à frente do Chile, México e Colômbia.


O problema não está na posição, mas no tipo de avanço: o Brasil é consistente nos insumos de inovação (capital humano, infraestrutura de pesquisa, universidades), mas segue fraco nos outputs, patentes, exportações de alta tecnologia e novos medicamentos registrados.


Essa assimetria confirma o que o IBIS Insights discutiu em O fluxo de patentes na América Latina e o impacto na inovação em saúde: a região avança em capacidade de pesquisa, mas continua vulnerável na criação de cadeias produtivas inovadoras próprias.


A estabilidade brasileira na faixa intermediária do GII não é trivial. Mostra resiliência, mas também complacência. Há dez anos, o país ocupava posição semelhante e já enfrentava os mesmos entraves: baixa eficiência de conversão, falta de estímulos fiscais à inovação e escassez de capital de risco voltado às ciências da vida.


Países como Vietnã e Índia, que estavam atrás no ranking, hoje colhem frutos de políticas industriais coordenadas e de um ambiente de venture capital ativo. O Brasil, por outro lado, segue fragmentado entre ministérios e agências, sem uma estratégia nacional integrada para inovação em saúde.


3. Biotecnologia e saúde: o elo mais frágil da cadeia

Os dados do INPI revelam que menos de 4% dos depósitos nacionais de patentes pertencem à área farmacêutica, percentual praticamente inalterado há uma década. Isso é preocupante, considerando o volume crescente de publicações científicas em biotecnologia e neurociência no país, lideradas por instituições como UFRJ, USP e Fiocruz.


Há, portanto, um descompasso entre geração de conhecimento e sua apropriação tecnológica. O Brasil segue produzindo ciência de qualidade, mas o faz sem transformar descobertas em ativos de mercado, como moléculas patenteáveis, plataformas de RNA terapêutico, terapias celulares ou modelos de diagnóstico de precisão.


Essa desconexão ficou evidente em casos como o da polilaminina, descoberta promissora da UFRJ em parceria com o Cristália, analisada recentemente pelo IBIS. A molécula, que pode auxiliar na recuperação de movimentos após lesões medulares, simboliza a potência científica brasileira mas também as dificuldades estruturais de transformar uma descoberta acadêmica em terapia aprovada, produzida e distribuída.


O setor farmacêutico e biotecnológico brasileiro é o espelho mais fiel desse descompasso. Em 2024, apenas 3,6% das patentes concedidas no país vieram de residentes nacionais e, dentro delas, o subsetor de biotecnologia representou uma fração ainda menor. As iniciativas mais avançadas continuam concentradas em poucos grupos com capacidade industrial, como Cristália, Bionovis e Blau, enquanto universidades e startups enfrentam barreiras regulatórias e financeiras que inviabilizam a transição do protótipo para o produto.


4. O tempo da inovação não é o tempo da ciência

O Global Innovation Index reforça que países que conseguiram estruturar ecossistemas integrados de inovação, como Suíça (Basel), Coreia do Sul (Seul) e Singapura, não são necessariamente os que mais publicam ciência, mas os que melhor convertem pesquisa em produto.


Basel abriga o cluster farmacêutico mais denso do mundo, com um sistema de inovação público-privado que conecta universidades, farmacêuticas e reguladores em uma lógica contínua de desenvolvimento. Já a Coreia do Sul, que investe mais de 4,8% do PIB em P&D, transformou o conhecimento acadêmico em biotecnologia aplicada, apoiada por grandes conglomerados e fundos soberanos. Singapura construiu um modelo de governança ágil, combinando financiamento público robusto, regulação flexível e atração de centros de P&D internacionais.


Enquanto isso, o Brasil ainda não encontrou o equilíbrio entre a velocidade da pesquisa e o tempo da regulação. O pesquisador nacional precisa lidar com prazos fragmentados entre CNPq, FINEP, CAPES, ANVISA e INPI, cada qual com agendas, métricas e linguagens próprias. O resultado é um sistema que inova, mas não acelera.


5. Onde estamos e para onde poderíamos ir

Há sinais positivos. Programas recentes como o GECEIS (Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde), a Linha CEIS do BNDES, o Protocolo Deep Tech FINEP, e a regulamentação da Lei nº 14.874/2024 (sobre pesquisas clínicas com seres humanos) indicam que o país está, enfim, construindo bases institucionais mais sólidas.


Mas ainda falta densidade. O Deep Tech Radar Brasil 2025, elaborado pela Emerge, identificou 952 startups deep techs no país, sendo 345 voltadas à saúde e bem-estar, o maior setor entre todos os mapeados. Dentro desse universo, biotecnologia e inteligência artificial despontam como tendências dominantes, com aplicações crescentes em terapias gênicas, vacinas e diagnósticos de precisão. Cerca de 55% dessas empresas são spin-offs acadêmicas, reflexo direto da força das universidades brasileiras como berço de inovação, mas também um sintoma da fragilidade na transição do laboratório ao mercado.


Ainda segundo o relatório, 30% das deep techs receberam investimentos inferiores a R$ 200 mil, e 51% do financiamento total ainda vem de fontes públicas, como FAPESP, FINEP e SEBRAE. Isso revela um ecossistema fortemente dependente do Estado e com baixa presença de capital privado estruturado. O desafio é ampliar a escala de investimento, uma vez que o Brasil captou apenas US$ 216 milhões em deep techs em 2024, frente a US$ 4 bilhões do Reino Unido no mesmo período.


Esse contraste mostra que o país já domina a base científica, mas ainda não possui mecanismos de tração financeira e de mercado capazes de transformar esse conhecimento em produtos de alto impacto global. O elo perdido, mais uma vez, está na capacidade de permanência: apoiar o pesquisador até que sua invenção atravesse o “vale da morte” e se torne um ativo tecnológico validado, licenciado e escalável.


6. Transformar dados em política: a lição dos relatórios

Ao cruzar o Anuário do INPI e o GII, chegamos à incômoda conclusão de que o Brasil é um país que mede inovação, mas ainda não a pratica de forma sistêmica.


O IBIS Insights já vem defendendo essa tese há algum tempo, em artigos como Inovação farmacêutica global até 2029: tendências, desafios e o lugar do Brasil. O que falta é transformar o diagnóstico estatístico em ação coordenada de política pública, de financiamento e de regulação inteligente.


Isso inclui:

  • Reduzir o tempo médio de exame de patentes no INPI, com automação e capacitação técnica específica em biotecnologia;


  • Criar instrumentos permanentes de venture co-investment público-privado voltados a deeptechs em saúde;


  • Estimular a criação de laboratórios de boas práticas de fabricação (GMP) compartilhados;


  • Consolidar alianças regionais em biotecnologia, com cooperação regulatória e intercâmbio tecnológico entre América Latina, Europa e Ásia.


Os relatórios do INPI e do GII não são apenas diagnósticos: são alertas estratégicos. Eles apontam que, em termos relativos, o Brasil investe mais em ciência do que seus vizinhos latino-americanos, mas converte menos em inovação industrial. É um modelo que gera reconhecimento acadêmico, mas não soberania tecnológica.


Os relatórios do INPI e do GII não são apenas radiografias estatísticas: são espelhos do que ainda não conseguimos transformar. Mostram um país cientificamente maduro, mas economicamente tímido; criativo na teoria, hesitante na prática.


O desafio agora é de cultura e de estrutura: criar um ambiente em que pesquisadores, investidores e formuladores de políticas públicas falem a mesma língua. A inovação em saúde não pode continuar dependendo de heróis isolados, mas de instituições que compreendam que o futuro não se improvisa, constrói-se.


No IBIS, seguimos promovendo esse diálogo, conectando a ciência que descobre à indústria que produz e à política que viabiliza. Você tem um projeto transformador em saúde e precisa conectá-lo ao mercado? Fale conosco!


Marcio de Paula - Fundador do Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde - IBIS



por Marcio de Paula

Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde - IBIS

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