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COINFAR: Pioneirismo em Biotecnologia e a Oportunidade de Retomar um Modelo Cooperativo no Brasil

Como ressuscitar o modelo cooperativo que pode transformar o Brasil numa potência biotecnológica


Quando recebi o convite, em 2005, para integrar o Consórcio de Indústrias Farmacêuticas — COINFAR, como gerente de portfólio de pesquisa e desenvolvimento, sabia que estava diante de uma oportunidade rara: participar da primeira startup de biotecnologia brasileira dedicada à inovação radical a partir da biodiversidade nacional. O que eu não sabia é que estava entrando numa experiência cerca de duas décadas à frente de seu tempo.


O COINFAR nasceu de uma visão ousada da FAPESP. Por meio de uma chamada pública específica para parcerias público-privadas no desenvolvimento de novos fármacos, a fundação conseguiu um feito inédito: reunir três das principais farmacêuticas brasileiras: Biolab, União Química e Biosintética (posteriormente incorporada ao grupo Aché), num consórcio voltado à descoberta de moléculas inovadoras. Mais do que uma parceria, era a tripla hélice em ação: empresas, instituições científicas e governo conectados numa orquestração real e operativa.


A Engenharia Institucional da FAPESP

A gênese do COINFAR foi uma chamada da FAPESP, em colaboração com o Governo do Estado de São Paulo, com o objetivo específico de aproximar pesquisas avançadas em biodiversidade de empresas nacionais dispostas a investir em inovação farmacêutica. O veículo escolhido foi o então recém-criado Centro de Toxinologia Aplicada (CAT/CEPID) do Instituto Butantan, infraestrutura científica robusta, concebida justamente para viabilizar pesquisa de longo prazo com foco em aplicações comerciais.


O arranjo financeiro adotado, baseado em match funding entre recursos públicos e privados, previa co-titularidade de patentes, divisão proporcional de royalties e o compromisso das empresas em financiar as etapas posteriores do desenvolvimento, incluindo os estudos pré-clínicos e clínicos. Era, para os padrões da época, um modelo de vanguarda, que antecipava conceitos da Lei de Inovação (sancionada apenas no ano anterior, 2004).


Porém, a verdadeira revolução estava na clareza contratual e na lógica de incentivos. Pela primeira vez no Brasil, pesquisadores ligados a instituições públicas podiam figurar como co-titulares de patentes e participar dos lucros oriundos da exploração comercial de suas descobertas — incentivo poderoso à proteção da propriedade intelectual, antes mesmo da publicação científica.


A Elegância de um Modelo Visionário

O COINFAR propunha uma cadeia completa de valor em biotecnologia, que partia das coleções de toxinas do Instituto Butantan e avançava até os estudos pré-clínicos, com tarefas e responsabilidades bem distribuídas entre os parceiros. Já em 2005, foram licenciadas sete famílias de patentes referentes a moléculas isoladas de toxinas animais, incluindo substâncias extraídas de venenos de serpentes, das cerdas de taturanas e da saliva do carrapato-estrela. O portfólio total chegaria a 13 famílias de patentes nos anos seguintes.


Era uma aposta firme na inovação radical, não em genéricos ou inovações incrementais. Propúnhamos o desenvolvimento de novas entidades moleculares com ambição global, algo raro na indústria farmacêutica nacional da época.


Inspirado em modelos como o VLSI Project japonês, os Framework Programmes europeus e o Advanced Technology Program americano, o COINFAR foi uma afirmação estratégica de confiança no potencial científico e biológico do país.


Tive o privilégio de vivenciar, ali dentro, uma produção científica extraordinária. Patenteamos moléculas como o Amblyomin, com propriedades antitumorais; o LOPAP, anticoagulante extraído da Lonomia obliqua; e o ENPAK, analgésico extremamente potente derivado do veneno da cascavel. Cada uma delas representava uma promessa concreta de transformar biodiversidade em terapias globais.


As Fissuras de um País Imaturo

Entretanto, conforme avançávamos, tornava-se evidente que o ecossistema brasileiro ainda não estava pronto para sustentar uma iniciativa dessa natureza. Faltava infraestrutura: laboratórios com Boas Práticas de Laboratório (BPL), CROs, capacidade de síntese escalonada de proteínas recombinantes. Faltava regulação: a ANVISA, ainda jovem, não possuía marcos definidos para inovação radical. Faltava segurança jurídica: as regras de co-titularidade geravam incertezas, e dispositivos constitucionais estaduais criavam obstáculos inesperados.


Mais do que tudo, faltava uma cultura da inovação de risco. A indústria farmacêutica brasileira ainda era essencialmente produtora de genéricos. E a academia, pouco habituada ao mundo das aplicações, mantinha-se à margem dos interesses comerciais.


O COINFAR foi encerrado em 2008, antes que suas moléculas chegassem à clínica. E não foi por falta de recursos, mas por ausência de um ecossistema maduro. As causas eram muitas:

  • Expertise inexistente em desenvolvimento farmacêutico completo;

  • Infraestrutura insuficiente, com escassez de BPLs e CROs nacionais;

  • Regulação incipiente e legislação de biodiversidade restritiva;

  • Governança jurídica frágil, com disputas sobre titularidade e constitucionalidade.

O COINFAR falhou não por ser ambicioso demais, mas por ter nascido cedo demais.


2025: Quando o Brasil Finalmente Está Pronto

Hoje, olhando para o Brasil de 2025, é impossível não perceber o contraste. Temos um ecossistema biotecnológico em expansão, com mais de 500 startups na área da saúde, parques tecnológicos consolidados, regulação sofisticada, NITs estruturados e uma geração de talentos com formação global.


A ANVISA tornou-se uma agência internacionalmente respeitada, alinhada aos padrões do ICH e do PIC/S, com mecanismos de fast track e regulações específicas para terapias avançadas. Casos de fronteira como as terapias CAR-T desenvolvidas por Butantan e Hemocentro de Ribeirão Preto já são realidade.


Os mecanismos de financiamento também amadureceram: fundos de venture capital especializados, programas robustos como EMBRAPII, linhas do BNDES, editais do FNDCT e do MCTI. As startups já nascem com maior vocação internacional, prontas para escalar e negociar com parceiros globais.


Em suma, o Brasil de 2025 reúne as condições que faltavam em 2005.


COINFAR 2.0: Hora de Retomar um Modelo Que Deu Certo Demais Para Ser Esquecido

À luz desse novo cenário, é legítimo perguntar: não seria o momento de ressuscitar o modelo cooperativo inspirado no COINFAR, agora com musculatura regulatória, científica e institucional?


Proponho aqui a reflexão sobre o esboço de um “COINFAR 2.0”, com base em cinco princípios:

  • Governança institucionalizada, com contratos modernos e mecanismos de partilha claros;

  • Foco em terapias de fronteira — genéticas, celulares, vacinas disruptivas e moléculas da biodiversidade;

  • Participação regulatória desde o início, com a ANVISA orientando o desenvolvimento;

  • Estruturação financeira híbrida, com integração de recursos públicos e fundos privados especializados;

  • Rede nacional conectada, articulando ICTs, startups e big pharma para reduzir riscos e acelerar resultados.


A FAPESP poderia novamente liderar esse movimento, como fez brilhantemente há duas décadas. Outras fundações estaduais e o próprio MCTI também têm hoje maturidade institucional para orquestrar consórcios cooperativos com ambição global. Parcerias internacionais, antes quase inviáveis, hoje são desejáveis e estratégicas.


O Legado Que Ainda Pode Ser

Quando o COINFAR foi descontinuado, muitos o trataram como um fracasso. Hoje, vejo com clareza que ele foi um experimento revolucionário. As moléculas desenvolvidas continuam sendo objeto de pesquisa. O modelo inspirou dezenas de parcerias público-privadas posteriores. E uma geração inteira de cientistas e gestores aprendeu, ali, como se faz inovação de risco com ambição.


O COINFAR não falhou. Ele simplesmente chegou antes da hora. Agora, o relógio institucional finalmente está sincronizado.


Um Chamado à Ação

O futuro da biotecnologia brasileira não será construído por inércia, será fruto de decisões estratégicas. Revisitar o modelo cooperativo do COINFAR não é nostalgia: é visão. O Brasil precisa e pode liderar na bioeconomia global. Mas isso exige coordenação, ousadia e, acima de tudo, convicção de que ciência e mercado não precisam estar em lados opostos.


O Brasil está pronto. A pergunta que fica é: teremos coragem de tentar de novo e fazer melhor?


No IBIS, acreditamos que modelos cooperativos bem estruturados são a chave para destravar o potencial da bioeconomia brasileira. Atuamos como ponte entre ciência, empresas e políticas públicas e temos a experiência necessária para transformar ideias visionárias em projetos concretos.


Se sua instituição busca estruturar parcerias público-privadas em biotecnologia, construir pipelines com base em biodiversidade nacional ou explorar terapias de fronteira com ambição global, fale com a gente.


Marcio de Paula, conselheiro de empresas e fundador do IBIS


por Marcio de Paula

Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde - IBIS




Marcio de Paula é Conselheiro de empresas com foco em Inovação e Estratégia Corporativa e fundador do IBIS. Com mais de 25 anos de experiência em biotecnologia e desenvolvimento farmacêutico, participou de iniciativas pioneiras como o COINFAR e atualmente dedica-se a acelerar a inovação em saúde no Brasil.

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