Construindo a Potência Global: Uma Estratégia Nacional para Startups Deeptech em Saúde no Brasil
- Alma Mater Cosméticos
- 6 de jun.
- 35 min de leitura
A emergência das tecnologias de fronteira, conhecidas como deeptechs, assinala uma nova fase na inovação global. Estas tecnologias, que brotam de pesquisas científicas e avanços tecnológicos disruptivos, demandam ciclos extensos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e investimentos substanciais. Contudo, elas prometem revolucionar setores inteiros e oferecer soluções para os desafios mais complexos da humanidade.
O Brasil, com sua vasta capacidade científica e recursos naturais singulares, encontra-se em uma posição estratégica para se estabelecer como uma potência global neste panorama.O contexto global atual é marcado por um ímpeto sem precedentes no investimento em deeptechs.
No primeiro trimestre de 2025, o investimento global em venture capital alcançou US$ 126,3 bilhões distribuídos em 7.551 negócios, impulsionado significativamente por megadeals em áreas como Inteligência Artificial (IA), Biotecnologia e tecnologias industriais emergentes. Este movimento global destaca a importância estratégica e o dinamismo crescente das deeptechs.
Essas empresas são caracterizadas por serem startups fundamentadas em progressos científicos e tecnológicos substanciais, desenvolvendo soluções inovadoras para problemas complexos. Elas exigem longos ciclos de P&D, altos níveis de investimento e mantêm uma conexão intrínseca com universidades, centros de pesquisa e estruturas institucionais de apoio à ciência.
As deeptechs são reconhecidas como catalisadores de transformação estrutural em setores vitais, incluindo saúde, energia, agronegócio e indústria avançada. Para o Brasil, a inovação deeptech é crucial para assegurar a soberania tecnológica e a competitividade nacional. Essas tecnologias possuem o potencial de catalisar mudanças profundas, estabelecer novas indústrias e desorganizar as existentes, contribuindo para a resolução dos grandes desafios da humanidade.
O país possui ativos únicos que o posicionam de forma vantajosa para liderar inovações científicas globais. Entre esses ativos, destacam-se um ecossistema acadêmico robusto e uma biodiversidade incomparável, que oferecem um terreno fértil para o desenvolvimento de soluções deeptech.
O foco no setor de saúde emerge como um vetor particularmente promissor para a transformação e a liderança. A área de saúde humana e farmacêutica já representa uma das maiores concentrações de deeptechs no Brasil, com 243 empresas mapeadas. Isso indica uma vocação natural e uma base de atuação já consolidada para o país.
As deeptechs, ao integrar tecnologias como Inteligência Artificial, biotecnologia, nanotecnologia, robótica e computação quântica, estão revolucionando o setor de saúde no Brasil, com impactos notáveis na prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças. A ênfase está se deslocando progressivamente do tratamento da doença para a promoção da saúde, um campo com vasto potencial para inovações disruptivas.
A observação da confluência entre o ímpeto global e as oportunidades internas do Brasil em deeptech é fundamental. O aumento significativo dos investimentos globais em deeptech sinaliza uma janela de oportunidade estratégica que o Brasil não pode ignorar. Ao mesmo tempo, o país possui vantagens inerentes, como uma base científica sólida e uma biodiversidade singular.
A concentração já existente de deeptechs no setor de saúde sugere uma afinidade natural para um direcionamento estratégico. Isso não se trata meramente de acompanhar outros países, mas de alavancar vantagens já presentes, ainda que subdesenvolvidas, dentro de um setor que está na vanguarda das tendências globais. A união do dinamismo global com os ativos específicos do Brasil oferece uma oportunidade única para o país não apenas participar, mas potencialmente assumir a liderança em domínios específicos da deeptech, com um foco especial na saúde.
Uma estratégia nacional deve, portanto, capitalizar essa convergência, direcionando recursos para áreas onde o Brasil possui uma vantagem comparativa, como a saúde, dada sua força potencial em biotecnologia e biodiversidade.
Panorama Atual do Ecossistema Deeptech em Saúde no Brasil
O ecossistema deeptech brasileiro, embora ainda em um estágio inicial de maturidade, demonstra um crescimento promissor, particularmente no setor de saúde. Os dados disponíveis revelam um cenário de expansão, mas também sublinham os desafios inerentes à natureza de alto risco e longo prazo dessas tecnologias.
O Brasil possui atualmente 875 startups deeptech mapeadas. Em 2024, o país registrou R$ 1,5 bilhão em investimentos nessas empresas, representando um crescimento de 20% em relação a 2023. No entanto, é importante contextualizar esse volume com o cenário global: o investimento global em venture capital para deeptechs no primeiro trimestre de 2025 atingiu US$ 126,3 bilhões.
Essa disparidade de escala aponta para a necessidade de um volume de capital significativamente maior no Brasil para que o ecossistema possa competir em nível global. As áreas com maior concentração de deeptechs no país são saúde humana e farmacêutica, com 243 empresas, seguidas por agronegócio e saúde animal, com 202 empresas.

Apesar do número relevante de startups e do crescimento do investimento, apenas 30% dessas empresas alcançaram as fases de comercialização e escala, com a maioria ainda operando nas etapas de validação técnica, científica ou de produto. Isso indica um "vale da morte" significativo entre a validação científica e a entrada no mercado.
No que tange especificamente às healthtechs, o número de rodadas de investimento no Brasil tem se mantido estável, mas os valores investidos têm diminuído anualmente desde a pandemia. Em 2023, foram investidos R$ 993 milhões em healthtechs brasileiras, uma queda de 13% em comparação com R$ 1,142 bilhão em 2022. A expectativa é que essa tendência de queda continue em 2024, com R$ 299 milhões investidos até julho.
O tíquete médio de investimento em 2023 foi de R$ 3,9 milhões para rodadas pré-Série A, R$ 19,4 milhões para Série A e R$ 160 milhões para Série B e posteriores. As biotechs, por sua vez, recebem apenas 4,8% do investimento total de venture capital no Brasil, um percentual consideravelmente menor que no Chile (20%) e na Argentina (7,5%).
O Brasil possui mais de 350 startups de biotecnologia ativas, o que o posiciona como o 9º maior ecossistema global e líder na América Latina, respondendo por 60% das empresas de biotecnologia da região. Dentre essas, 90 são especificamente startups de biotecnologia em saúde, com 64% delas localizadas na região Sudeste.
Mais da metade dessas startups (58%) foca em terapias e diagnósticos, uma área que exige investimentos substanciais em P&D, infraestrutura laboratorial e suporte regulatório. As startups brasileiras já demonstram a aplicação eficiente de deeptech em diversas áreas da saúde. A IONIC Health, por exemplo, desenvolveu um sistema que permite a operação remota de equipamentos de imagem, facilitando o acesso a exames de alta qualidade em regiões desprovidas de especialistas.
Em medicina personalizada, a Munai integra dados clínicos com IA para auxiliar médicos na prescrição de tratamentos customizados. Para a análise de exames laboratoriais, a Huna emprega IA para agilizar e aprimorar a precisão dos laudos. Um caso de sucesso notável foi a aplicação de realidade mista em uma cirurgia de remoção de tumor no Hospital Sírio-Libanês, demonstrando o potencial de tecnologias avançadas para procedimentos minimamente invasivos e altamente precisos.
A maturidade do ecossistema e sua concentração geográfica são aspectos cruciais. Cerca de 55% das startups deeptech estão localizadas no estado de São Paulo. Essa concentração é impulsionada pela presença de instituições acadêmicas de renome como USP, UNICAMP e ITA, bem como por programas de fomento como o PIPE-FAPESP.
Embora essa concentração crie um poderoso hub local, promovendo a colaboração e a troca de conhecimento, ela também implica uma carência de desenvolvimento deeptech em outras regiões do país, potencialmente negligenciando ativos regionais únicos, como outros biomas para deeptech impulsionada pela biodiversidade.
A alta proporção de startups ainda em fase inicial de desenvolvimento (apenas 30% em comercialização e escala) indica que o ecossistema ainda está em um estágio de desenvolvimento precoce.

Apesar do grande número de projetos nascentes, uma barreira significativa impede que a maioria das deeptechs brasileiras alcance a maturidade. Apenas uma pequena fração consegue transformar o potencial científico em sucesso comercial. Essa lacuna denota a necessidade crítica de "capital paciente" e de um ecossistema de apoio mais robusto para as fases de escalonamento, que vá além do financiamento inicial e da validação científica.
A análise do cenário atual revela uma questão crítica: o "vale da morte em estágio inicial" para as deeptechs brasileiras. Embora o Brasil apresente um número considerável de startups deeptech e um crescimento no investimento, o baixo percentual de empresas que alcançam a comercialização é um indicador preocupante. Isso sugere que há um gargalo significativo entre a validação científica e a entrada efetiva no mercado.
A diminuição dos valores de investimento em healthtechs agrava essa situação, pois as empresas em estágio inicial, que representam a maioria, enfrentam dificuldades para garantir o financiamento necessário para o escalonamento. A baixa participação do venture capital em biotechs aponta para uma questão sistêmica onde o capital privado não é suficientemente paciente ou especializado para os longos ciclos de P&D das deeptechs.
As estratégias futuras devem, portanto, abordar os desafios específicos de financiamento e escalonamento das deeptechs em estágio inicial, indo além da validação inicial para o apoio à comercialização. Isso implica a necessidade de mecanismos de capital mais paciente e programas de aceleração sob medida. Outra observação importante é que a concentração geográfica atua como uma faca de dois gumes.
A alta concentração de deeptechs em São Paulo é, sem dúvida, um resultado da força de suas instituições acadêmicas e do financiamento disponível. Isso cria um ambiente propício para a inovação, com a proximidade facilitando a colaboração e a troca de ideias. No entanto, essa concentração também indica que outras regiões do Brasil, que possuem ativos únicos – como a vasta biodiversidade amazônica –, estão subaproveitadas no desenvolvimento deeptech.
A "descentralização da ciência aplicada" é um objetivo mencionado para as políticas públicas, o que demonstra o reconhecimento desse desequilíbrio. Embora São Paulo deva continuar a ser um polo de inovação, uma estratégia nacional precisa considerar como estimular ecossistemas deeptech em outras regiões, talvez alavancando universidades locais e recursos únicos, como a biodiversidade amazônica.
A Tabela 1 oferece um panorama conciso e baseado em dados do cenário atual, destacando os pontos fortes (número de startups, crescimento) e as fraquezas (disparidade no volume de investimento, maturidade em estágio inicial, concentração regional) do Brasil. Essa visão geral quantitativa prepara o terreno para a análise qualitativa subsequente de desafios e oportunidades, fornecendo contexto e credibilidade à discussão.
Tabela 1: Cenário Atual das Deeptechs em Saúde no Brasil (2024)
Característica | Dados |
Total de Startups Deeptech no Brasil | 875 |
Volume Total de Investimento em Deeptech no Brasil (2024) | R$ 1,5 bilhão (crescimento de 20% vs. 2023) |
Volume Global de Investimento VC em Deeptech (T1 2025) | US$ 126,3 bilhões |
Número de Deeptechs em Saúde Humana e Farmacêutica | 243 |
Número Total de Startups de Biotecnologia no Brasil | >350 (9ª global, 60% da LATAM) |
Número de Startups de Biotecnologia em Saúde | 90 |
Concentração Geográfica (% em São Paulo) | 55% das deeptechs |
Estágio de Maturidade (% em comercialização vs. P&D) | Apenas 30% em comercialização e escala |
Volume de Investimento em Healthtechs (2023) | R$ 993 milhões (queda de 13% vs. 2022) |
Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento das Deeptechs no Brasil
O percurso para o Brasil se consolidar como uma potência em deeptech é marcado por desafios estruturais e culturais, mas também por oportunidades intrínsecas que, se exploradas eficazmente, podem impulsionar o país a uma posição de destaque global.
Uma das principais dificuldades reside nas barreiras culturais e de gestão presentes no ambiente acadêmico. Há uma percepção de que o empreendedorismo não é amplamente difundido nas universidades. Muitos pesquisadores tendem a seguir carreiras estritamente acadêmicas, o que cria uma desconexão entre a produção de conhecimento científico e sua efetiva conversão em valor de mercado.
Essa realidade se manifesta na significativa carência de conhecimento em gestão de negócios, captação de recursos, fluxo de caixa e rotinas empresariais entre os próprios pesquisadores, mesmo aqueles que demonstram interesse em empreender. A resistência a essa cultura empreendedora é exemplificada por uma reação (comum) a uma pesquisadora que fundou uma startup, com um colega expressando "que pena" por ela ter decidido ser empreendedora.
As mudanças no ambiente acadêmico para fomentar o empreendedorismo são relativamente recentes, datando dos últimos cinco anos. Essa situação aponta para um "paradoxo da abundância científica e da escassez de comercialização". O Brasil é reconhecido como uma potência científica, com alta classificação em publicações e um número expressivo de pesquisadores. No entanto, essa produção científica não se traduz proporcionalmente em empreendimentos deeptech comercializados, com apenas 30% das startups atingindo essa fase.
A questão não é a capacidade científica, mas o mecanismo de conversão do conhecimento gerado em laboratórios para o mercado. Para superar isso, uma estratégia nacional deve focar em fomentar a mentalidade empreendedora nas universidades, oferecer treinamento robusto em negócios para pesquisadores e criar caminhos e incentivos claros para a transferência de tecnologia e a criação de spin-offs.
O acesso a capital paciente e o volume de investimento representam outro desafio crítico. As deeptechs exigem "capital paciente" porque o retorno do investimento leva de 25% a 40% mais tempo do que em startups tradicionais. Embora apresentem uma Taxa Interna de Retorno (TIR) média atrativa de 26% (contra 21% para startups convencionais), os investidores privados enfrentam dificuldades com prazos de retorno mais longos.
Há uma necessidade premente de maior investimento dos setores público e privado em ciência e pesquisa, especialmente considerando que o investimento público em ciência e tecnologia regrediu significativamente, de R$ 10 bilhões em 2010 para R$ 1,4 bilhão em 2018.
A dependência do investimento público é notável, com 70% das startups deeptech que captaram mais de R$ 5 milhões o fazendo por meio de instituições públicas como FAPESP, Finep, Embrapii e Sebrae. As deeptechs não são a primeira escolha para fundos de venture capital, com a vasta maioria (84,5%) dos investimentos de venture capital no Brasil em 2023 direcionados a negócios digitais e financeiros.
Além disso, o volume de financiamento é frequentemente insuficiente para as necessidades das deeptechs. A alta incerteza e o risco são inerentes, pois as deeptechs operam na fronteira do conhecimento, com imprevisibilidade em relação aos avanços científicos e à materialização do produto.

Essa situação revela o "setor público como faca de dois gumes" no financiamento deeptech. As agências de fomento públicas são cruciais, mas o volume desse financiamento é frequentemente insuficiente para a natureza intensiva em capital das deeptechs, e o investimento público geral em C&T regrediu. Isso cria uma dependência sem abordar totalmente as necessidades de escalonamento.
O financiamento público precisa aumentar em volume e previsibilidade, e visar explicitamente a redução de riscos de projetos para atrair mais capital privado, em vez de ser a única fonte primária. Deve atuar como um catalisador, não um substituto, para o investimento privado.
A complexidade regulatória e os desafios de infraestrutura também impõem obstáculos significativos. As deeptechs enfrentam marcos regulatórios complexos e dificuldades logísticas para validação em escala. A falta de digitalização e interoperabilidade nos sistemas hospitalares dificulta o fluxo de informações e a eficiência das soluções de IA.
A burocracia regulatória complica a aprovação rápida de novas tecnologias. O custo elevado para montar laboratórios, que varia de R$ 5 milhões a R$ 20 milhões, e a escassez de espaços de pesquisa compartilhados acessíveis são barreiras substanciais. A burocracia no registro de patentes também é um entrave. Historicamente, o marco regulatório brasileiro para acesso a recursos genéticos criou um sistema rígido e complexo de controle prévio, gerando insegurança jurídica e retração de investimentos.
Apesar dos desafios, o Brasil possui um potencial científico robusto e uma biodiversidade única, que representam grandes oportunidades. O país é o 13º no mundo em produção de artigos científicos (2018) e o primeiro em publicações de acesso aberto. Essa forte base de produção científica oferece um terreno fértil para o desenvolvimento de deeptechs, desde que seja efetivamente convertida em valor de mercado.
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo, detendo de 15% a 20% da biodiversidade global, com 700 novas espécies catalogadas anualmente. Isso representa um potencial imenso para novos fármacos e bioprodutos. O país concentra 77% dos pesquisadores da América Latina, ocupa a 5ª posição global em publicações de ciências biológicas e agrícolas, detém 58% das patentes e realiza 47% das pesquisas na região.
O impulso de hubs de inovação e parcerias corporativas é outro ponto de oportunidade. O mercado deeptech no Brasil está sendo impulsionado por hubs de inovação e empresas de venture capital especializadas em soluções avançadas. O potencial da ciência e das startups deeptech foi claramente demonstrado durante crises, como a pandemia de COVID-19.
O potencial disruptivo das deeptechs atrai grandes empresas de tecnologia interessadas em parcerias de inovação aberta. Os programas da Eretz.bio apoiam pesquisadores na transformação de pesquisas e invenções em soluções práticas e prontas para o mercado, oferecendo acesso a especialistas do Einstein, laboratórios avançados e orientação estratégica, e envolve grandes empresas/hospitais em parcerias de P&D.
A biodiversidade representa uma "mina de ouro inexplorada" com fricção regulatória. A biodiversidade inigualável do Brasil oferece uma oportunidade colossal para deeptech, especialmente na saúde, na descoberta de medicamentos e bioprodutos. No entanto, a complexidade regulatória histórica e a incerteza jurídica sufocaram sua exploração e comercialização, resultando em 92% das patentes da flora da Mata Atlântica sendo depositadas no exterior.
Isso sugere uma perda significativa de valor e propriedade intelectual. O novo marco legal (Lei n.º 13.123, de 20 de maio de 2015) buscou resolver essa questão, o que indica um reconhecimento do problema. A estratégia nacional deve, portanto, focar nos aprimoramentos necessários à gestão da biodiversidade, garantindo que a Lei 13.123/2015 realmente simplifique o acesso e incentive a P&D e a comercialização local, e promovendo ativamente iniciativas de bioprospecção ligadas a aplicações na saúde.
A Tabela 2 apresenta uma análise SWOT, oferecendo uma visão estruturada e de alto nível dos fatores internos e externos que influenciam o ecossistema deeptech no Brasil. Isso auxilia os stakeholders a compreender rapidamente a complexa interação de forças e a identificar áreas estratégicas para intervenção.
Tabela 2: Matriz SWOT do Ecossistema Deeptech em Saúde no Brasil
Forças | Fraquezas |
Forte Produção Científica: 13º global em artigos científicos, 5º em ciências biológicas/agrícolas, 77% dos pesquisadores da LATAM. | Barreira Cultural na Academia: Empreendedorismo não difundido, pesquisadores optam por carreira acadêmica, falta de conhecimento em gestão. |
Biodiversidade Única: Maior do mundo (15-20% global), potencial imenso para fármacos e bioprodutos. | Capital Paciente Insuficiente: Retorno 25-40% mais longo, baixa participação de VC (4,8% em biotechs), volume de financiamento público insuficiente. |
Crescente Apoio Público: Agências como FAPESP, Finep, Embrapii, Sebrae fornecem financiamento crucial (70% dos investimentos significativos). | Complexidade Regulatória e Burocracia: Marcos complexos, aprovação lenta de tecnologias, burocracia em patentes, sistema rígido de acesso a recursos genéticos. |
Hubs de Inovação Emergentes: Eretz.bio, IPT Open, State impulsionam o mercado, com concentração em São Paulo. | Altos Custos de Infraestrutura de P&D: R$ 5-20 milhões para laboratórios, escassez de espaços compartilhados. |
Potencial Demonstrado em Crises: Respostas a desafios nacionais, como a pandemia de COVID-19. | Lacuna de Talentos: Menos pesquisadores per capita que países desenvolvidos, dificuldade em contratar profissionais especializados. |
Oportunidades | Ameaças |
Crescimento Global do Investimento em Deeptech: Aumento de US$ 126,3 bilhões no T1 2025. | Contínua Fuga de Cérebros: Talentos se mudando para o exterior em busca de melhores condições e infraestrutura. |
Interesse em Inovação Aberta Corporativa: Grandes empresas de tecnologia buscam parcerias. | Persistente Lacuna de Financiamento Privado: Fundos de VC priorizam setores digitais/financeiros, deixando deeptechs subcapitalizadas. |
Nova Geração de Pesquisadores Empreendedores: Embora incipiente, há um movimento crescente para o empreendedorismo acadêmico. | Concorrência Global: Outros países acelerando mais rapidamente no desenvolvimento e comercialização de deeptechs. |
Simplificação Regulatória da Biodiversidade: Novo marco legal (Lei n.º 13.123, de 20 de maio de 2015) visa facilitar acesso e repartição de benefícios. | Incerteza Regulatória: Falta de clareza podem desestimular investimentos de longo prazo. |
Compras Governamentais como Impulsionador de Mercado: Potencial para o governo ser o primeiro cliente, validando e impulsionando soluções deeptech. | Volatilidade Econômica: Flutuações na economia podem impactar o financiamento e a capacidade de investimento. |
Atores Chave e Suas Contribuições para o Ecossistema Deeptech em Saúde
O ecossistema deeptech em saúde no Brasil é uma rede complexa e multifacetada, composta por atores públicos, privados e acadêmicos. Cada um desempenha um papel distinto e complementar, e a sinergia entre eles é crucial para o avanço e a escalabilidade das inovações.
A necessidade de uma orquestração eficaz entre esses atores é um tema recorrente, pois a falta de coordenação pode levar à duplicação de esforços e à persistência de lacunas críticas no desenvolvimento das deeptechs.
O setor público, por meio de agências de fomento, desempenha um papel indispensável. Instituições como Finep, FAPESP, Sebrae e Embrapii são fundamentais para fornecer financiamento inicial crucial às deeptechs, especialmente nas fases em que essas empresas ainda não geram receita e a avaliação de mercado é complexa. A dependência do capital público é evidente: 70% das startups deeptech que captaram mais de R$ 5 milhões o fizeram por meio dessas instituições.
A FAPEMIG, por exemplo, investe ativamente em toda a cadeia de valor, desde a concepção de ideias em universidades até o desenvolvimento de produtos, apoiando pesquisas em áreas de alto impacto social, como as mudanças climáticas. Ela tem apoiado startups promissoras como a FabNS e iniciativas como o "Compete Minas", que fomenta parcerias entre instituições de ciência e tecnologia e empresas.
O programa PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) da FAPESP é um exemplo de política pública consistente e previsível, tendo financiado 28% das deeptechs mapeadas e apoiado quase 2.000 empresas em São Paulo desde 1997, em diversas fases de desenvolvimento. A FAPESP também expandiu seu apoio ao investir em Fundos de Investimento em Participações (FIPs) e ao selecionar grupos de investidores-anjo para investir em empresas afiliadas ao PIPE, auxiliando suas fases de crescimento.
O Sebrae, por meio do programa START Deeptech, oferece pré-aceleração para startups científicas, auxiliando na validação de MVPs e nas primeiras vendas, com avaliação estratégica, mentoria e preparação para investimento.
Em nível estadual, o programa "Paraná Anjo Inovador" é o maior projeto de incentivo financeiro a startups no Brasil, destinando R$ 37 milhões em subsídios e apoiando deeptechs como a Beootec (focada em própolis azul para o agronegócio) e a Hyla Biotech (desenvolvendo um dispositivo para detecção de câncer de mama).
A academia e os centros de pesquisa são o berço das deeptechs. Universidades e centros de pesquisa fornecem a infraestrutura, o capital intelectual e os ambientes intensivos em pesquisa necessários para o surgimento dessas tecnologias. Existem fortes conexões entre empresas deeptech e universidades/institutos de ciência e tecnologia, muitas vezes facilitadas por políticas públicas de inovação.
A concentração de deeptechs em São Paulo, por exemplo, é impulsionada pela presença de instituições de ensino e pesquisa como USP, UNICAMP e ITA. Exemplos notáveis de spin-offs universitárias incluem a Symbiomics, originada de um PhD da Unicamp e focada em bio-insumos; a brain4care, resultado de pesquisa da USP para monitoramento de pressão intracraniana; a Inspectral, com origem em doutorado na Unesp para análise de qualidade da água; e a nChemi, da UFSCar, especializada em nanotecnologia.
Essas instituições são responsáveis pela formação de talentos científicos e de engenharia altamente especializados, essenciais para a inovação deeptech. Casos de spin-offs universitárias adquiridas por grandes grupos nacionais e internacionais demonstram o sucesso da transferência de tecnologia da academia para a indústria.
No que diz respeito aos investidores, as deeptechs exigem "capital paciente" devido aos longos prazos de retorno sobre o investimento. Apesar disso, fundos de Venture Capital e Private Equity consideram as deeptechs atrativas, com uma Taxa Interna de Retorno (TIR) média de 26%.

Apenas 4.8% do investimento total de Venture Capital no Brasil é direcionado para biotechs, um valor muito inferior a outros países da América Latina como Chile (20%).
Entre os principais VCs para deeptech na América do Sul, destacam-se Kaszek Ventures, NXTP Labs, SOSV (com foco específico em deeptech, saúde planetária e saúde humana) e Draper Cygnus (investindo em inovação deeptech disruptiva).
A Anjos do Brasil, uma organização sem fins lucrativos que fomenta o investimento anjo, possui uma vertical de negócios "AI/Deep Tech", e uma vertical "Healthtech". Os investidores anjo fornecem "smart money", que inclui capital, conhecimento e uma rede de contatos, com investimentos médios que variam de R$ 200 mil a R$ 1 milhão.
Há um crescente interesse de investimento por parte de especialistas no setor. No âmbito do Corporate Venture Capital (CVC), a Unimed-BH tem uma estratégia para healthtechs com um investimento de R$ 60 milhões. Dasa e Aggir Ventures também são atores considerados relevantes no contexto de inovação em saúde.
Aceleradoras e incubadoras desempenham um papel crucial no apoio e desenvolvimento das deeptechs. Exemplos incluem o Google for Startups Accelerator Brazil, focado em startups brasileiras em estágio de crescimento, especialmente em IA e Machine Learning (ML). A Antler Brazil busca talentos excepcionais e startups de tecnologia em estágio inicial. A ACE Startups apoia diversas startups de tecnologia em vários setores.
O Cubo foca em startups de tecnologia e digitais, com ênfase em inovação e crescimento. O programa Eretz.bio de Desenvolvimento e Inovação Deep Tech apoia pesquisadores na transformação de pesquisas e invenções em soluções prontas para o mercado, oferecendo acesso a especialistas do Hospital Israelita Albert Einstein, laboratórios avançados e assistência regulatória.
O programa Sebrae START Deeptech é de pré-aceleração para startups científicas, auxiliando na validação de MVPs e nas primeiras vendas. As grandes empresas e associações da indústria contribuem por meio de parcerias e inovação aberta. O potencial disruptivo das deeptechs atrai grandes empresas de tecnologia interessadas em parcerias de inovação aberta.
O Eretz.bio envolve ativamente grandes empresas e hospitais, como o sistema Einstein, em parcerias de P&D. A "Plataforma Inovação para a Indústria" da CNI (Confederação Nacional da Indústria) financia o desenvolvimento de tecnologias, processos, produtos e serviços para aumentar a eficiência e produtividade do setor industrial, envolvendo parcerias com universidades, empresas industriais, startups e centros de pesquisa.
É notável que 80% das empresas brasileiras já incorporam a inovação aberta em sua agenda estratégica. A análise da dinâmica desses atores revela o "imperativo da orquestração" para um modelo de tripla hélice.
Os dados mostram um ecossistema ativo, mas fragmentado: agências públicas fornecem financiamento inicial crucial, universidades geram a ciência, e investidores e aceleradoras privados existem. No entanto, o desafio geral é "conectar ecossistemas". A multiplicidade de atores e iniciativas distintas, como FAPESP, Finep, Sebrae, Anjos do Brasil, diversos VCs, aceleradoras, Eretz.bio e CNI, implica a necessidade de melhor coordenação e sinergia. Sem uma orquestração central, os esforços podem ser duplicados ou falhar em preencher lacunas críticas, como o "vale da morte" que muitas deeptechs enfrentam.
O modelo da "tripla hélice" (governo, academia, indústria) está implicitamente presente, mas precisa ser explicitamente fortalecido. Uma estratégia nacional deve, portanto, priorizar mecanismos para uma colaboração robusta e multi-stakeholder, possivelmente por meio de um comitê nacional dedicado à deeptech ou uma plataforma centralizada que mapeie recursos, identifique lacunas e facilite parcerias entre todos os atores.
A dinâmica de "especialização versus generalismo" no investimento privado é outra observação relevante. Embora alguns VCs se concentrem em deeptech e saúde, o cenário geral de venture capital no Brasil favorece fortemente os negócios digitais e financeiros, que receberam 84,5% dos investimentos em 2023. Essa abordagem generalista significa que as deeptechs, com seus ciclos de P&D longos e alto risco, são frequentemente negligenciadas ou subvalorizadas.
A existência de verticais especializadas em redes de anjo, como as verticais de IA/Deep Tech e Healthtech da Anjos do Brasil, é um sinal positivo, indicando uma compreensão nascente das necessidades específicas da deeptech.
As políticas públicas devem incentivar a criação e o crescimento de VCs e fundos especializados em deeptech e saúde, por meio de modelos de co-investimento com agências públicas, para fornecer o "capital paciente" e a expertise de domínio que faltam aos fundos generalistas.
Transversais Tecnológicas para a Liderança Global em Saúde Deeptech
Para que o Brasil se posicione como uma potência global em inovação deeptech em saúde, é imperativo focar e investir estrategicamente em três transversais tecnológicas que representam a vanguarda da ciência e o potencial único do país: Inteligência Artificial, Biotecnologia e Biodiversidade. A interconexão dessas áreas é fundamental para o desenvolvimento de soluções verdadeiramente disruptivas. Inteligência Artificial (IA) em Saúde.
A Inteligência Artificial está transformando significativamente o setor de saúde no Brasil, com aplicações que abrangem desde a prevenção até o tratamento de doenças. Exemplos notáveis de startups brasileiras incluem a IONIC Health, que permite a operação remota de equipamentos de imagem, facilitando o acesso a exames de alta qualidade em regiões com escassez de especialistas. A Munai emprega IA para integrar dados clínicos e auxiliar médicos na prescrição de tratamentos personalizados, enquanto a Huna utiliza IA para agilizar e aprimorar a precisão dos laudos laboratoriais.
Além das startups, grandes instituições de saúde e a indústria farmacêutica também estão adotando a IA. Operadoras de saúde utilizam IA para detecção de fraudes, redução de custos operacionais, triagem automatizada de sinistros e suporte via chatbots. Mais de 60% dos hospitais privados no Brasil já integram IA para otimizar a gestão de leitos e recursos, analisar exames com maior agilidade e precisão, e aprimorar a tomada de decisões clínicas. Laboratórios de diagnóstico empregam IA na análise de exames de imagem, processamento de dados genômicos e automação de processos internos, impactando de 10.000 a 140.000 pacientes por mês, dependendo do tamanho do laboratório.
A indústria farmacêutica começa a utilizar IA para acelerar o desenvolvimento de medicamentos, prever a demanda por insumos e personalizar tratamentos, garantindo maior segurança e precisão. O Brasil, reconhecendo o potencial da IA em saúde, está priorizando o tema durante sua presidência do BRICS em 2025, buscando discutir o desenvolvimento de tecnologias e a governança de dados, alavancando sua experiência com o SUS.
O país também se destaca na pesquisa em IA, estando entre os 20 principais globalmente em volume de publicações (6.304 estudos entre 2019-2023), com grande parte financiada por CAPES e CNPq.
O potencial transformador da IA na saúde é imenso, podendo mudar o foco do tratamento da doença para a promoção da saúde. Ela oferece a capacidade de detecção precoce de doenças, como o câncer de mama com vários anos de antecedência, e desempenha um papel crucial no combate a doenças tropicais, permitindo a detecção precoce de surtos, diagnósticos mais rápidos, estudos epidemiológicos e a aceleração da descoberta de medicamentos e vacinas.
No entanto, a adoção da IA enfrenta desafios significativos, incluindo limitações de infraestrutura, a necessidade de treinamento profissional para que os profissionais de saúde se tornem "AI First Thinkers", obstáculos regulatórios, a falta de digitalização e interoperabilidade nos sistemas hospitalares e o investimento limitado em P&D. Há também preocupações éticas relacionadas à qualidade e viés dos dados, privacidade e segurança das informações, e a questão da responsabilidade legal em caso de erros da IA.
Os altos custos de desenvolvimento e implementação da IA podem, inclusive, ampliar a lacuna na qualidade da saúde, e a falta de conhecimento sobre IA na comunidade médica, juntamente com a desigualdade social e o acesso limitado à internet no Brasil, são obstáculos adicionais.
Biotecnologia em Saúde - O panorama da P&D e produção científica em biotecnologia no Brasil indica um setor nascente, mas com grande potencial. O país ocupa a 9ª posição global e lidera na América Latina com mais de 350 startups de biotecnologia ativas. Especificamente em saúde, 90 startups de biotecnologia foram mapeadas, com 64% delas localizadas na região Sudeste e 58% focadas em terapias e diagnósticos. O Brasil concentra 77% dos pesquisadores da América Latina, é o 5º global em publicações de ciências biológicas e agrícolas, detém 58% das patentes e realiza 47% das pesquisas na região.
Contudo, a produção científica em biotecnologia em saúde humana no Brasil ainda mostra concentração espacial e setorial, além de uma forte dependência de investimento público. Há também uma baixa capacidade de inovação na cadeia de desenvolvimento de novos medicamentos. As oportunidades em terapias avançadas, vacinas e diagnósticos são vastas. O setor de ciências da vida (saúde humana e animal) possui alto potencial, abrangendo diagnósticos, tratamentos, vacinas, terapias gênicas e imunoterapias.
Exemplos incluem a gen-t, que está construindo o maior banco genético da América Latina para medicina de precisão; a Nintx, que desenvolve terapias para doenças multifatoriais usando produtos naturais; e a Aptah Bio, que utiliza moléculas sintéticas para reprogramar núcleos celulares em doenças relacionadas ao envelhecimento.
Áreas emergentes como terapias celulares e gênicas (impulsionadas por tecnologias como CRISPR), bioinformática e IA aplicadas à saúde, vacinas de nova geração (baseadas em mRNA) e novos diagnósticos moleculares (mais rápidos, sensíveis e acessíveis) prometem revolucionar o setor. As vendas em biotecnologia biofarmacêutica são projetadas para aumentar de 39% globalmente para 44% até 2026.
Apesar do potencial, o setor enfrenta desafios significativos. A participação do venture capital em biotechs é baixa (apenas 4,8% do VC total no Brasil), e há um subinvestimento em P&D, com apenas 1,21% do PIB brasileiro dedicado a essa área. A conversão da produção científica em negócios é baixa, e a internacionalização das biotechs brasileiras é limitada, com apenas 12% delas sediadas fora do Brasil. O alto risco científico e as restrições regulatórias são barreiras, assim como o alto CAPEX necessário para montar laboratórios (R$ 5-20 milhões) e a escassez de fundos especializados e de espaços de pesquisa compartilhados acessíveis.
Biodiversidade como Ativo Estratégico para Inovação em Saúde - O Brasil detém entre 15% e 20% da biodiversidade mundial, sendo o país com a maior quantidade de espécies endêmicas. Essa riqueza natural representa um potencial imenso para a descoberta de fármacos e bioprodutos.
Historicamente, produtos naturais têm sido a estratégia mais bem-sucedida na descoberta de medicamentos, com metade dos 20 medicamentos mais vendidos globalmente sendo produtos naturais, totalizando US$ 16 bilhões em vendas. A biodiversidade brasileira é uma fonte significativa de substâncias biologicamente ativas.
Iniciativas de bioprospecção, como o Programa Biota-FAPESP, estão se intensificando para buscar racionalmente bioprodutos de valor agregado. O interesse em produtos naturais para a descoberta de medicamentos tem ressurgido, impulsionado por técnicas modernas que aumentam as taxas de sucesso. O crescimento da indústria farmacêutica brasileira e o aumento do investimento em P&D são fatores que podem alavancar esse potencial.
Contudo, a exploração desse potencial enfrenta desafios regulatórios e, ao mesmo tempo, oferece oportunidades para a valorização sustentável.
O Legado da Medida Provisória 2.186-16/2001: Incerteza e Desestímulo - O marco regulatório anterior à Lei da Biodiversidade, notadamente a Medida Provisória (MP) 2.186-16/2001, estabeleceu um sistema de controle prévio do acesso ao patrimônio genético que se mostrou excessivamente rígido e complexo. Este regime conferia ao Estado amplos poderes para determinar quem, o que e como os recursos genéticos poderiam ser acessados, exigindo múltiplas autorizações administrativas sequenciais para atividades como pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico.
Para que um produto chegasse ao mercado, eram necessárias até três autorizações distintas, o que gerava entraves burocráticos significativos ao longo de todo o processo de P&D. Um dos aspectos mais controversos da MP era a distinção entre pesquisas com e sem fins econômico-financeiros. Tanto o setor empresarial quanto o acadêmico consideravam inviável determinar a priori se uma pesquisa científica resultaria em um produto comercializável, dada a incerteza inerente aos processos inovativos.
Essa ambiguidade legal criava um clima de insegurança para pesquisadores e empresas. A concessão de direitos de propriedade intelectual, como patentes, sobre processos ou produtos obtidos a partir do patrimônio genético, estava condicionada à autorização prévia de acesso do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Este requisito adicional resultou em um "indeferimento em massa" de depósitos de patentes, devido às extremas dificuldades em obter as autorizações necessárias. Além disso, a legislação brasileira considerava extratos de plantas e substâncias ativas isoladas da natureza como "descobertas" e, portanto, não patenteáveis, embora os processos para obtê-los pudessem ser.
A consequência direta desse cenário foi a "fuga de patentes": um estudo revelou que 92% das patentes globais envolvendo espécies vegetais nativas da flora da Mata Atlântica foram desenvolvidas e depositadas fora do Brasil, principalmente por entidades da China, Japão, Estados Unidos e Coreia. As poucas patentes desenvolvidas no Brasil eram majoritariamente detidas por institutos de pesquisa e universidades públicas, e não por empresas com capacidade de comercialização, o que apontava para uma limitação nacional na conversão da pesquisa em valor de mercado.
A insegurança jurídica foi ainda mais materializada a partir de 2010 com a "Operação Novos Rumos" do Ibama, que resultou em cerca de 450 autos de infração e a aplicação de mais de R$ 200 milhões em multas contra empresas, instituições tecnológicas, universidades públicas e pesquisadores brasileiros. Esse ambiente punitivo provocou uma retração significativa nos investimentos públicos e privados em pesquisa e inovação relacionadas à biodiversidade, levando muitos pesquisadores brasileiros a abandonar o estudo da biodiversidade nacional em favor de espécies exóticas.
Paralelamente, mudanças técnicas e metodológicas na indústria farmacêutica, como a ascensão da química combinatória e do high-throughput screening (HTS), também contribuíram para a redução do interesse em pesquisa com biodiversidade, uma vez que extratos naturais complexos eram menos compatíveis com esses novos métodos de triagem em larga escala.
A Lei 13.123/2015: Avanços e Desafios Atuais na Implementação - A Lei n.º 13.123/2015, regulamentada pelo Decreto n.º 8.772/2016, foi promulgada com o objetivo de reformar fundamentalmente o cenário regulatório anterior. O novo marco visava incentivar a geração de valor de forma sustentável a partir da biodiversidade brasileira. A principal mudança conceitual foi a transição de um regime de controle prévio rígido para um sistema de registro baseado na presunção de "boa-fé" do usuário, assumindo seu interesse na preservação da biodiversidade e na justa repartição de benefícios. Entre os avanços mais significativos introduzidos pela nova lei, destacam-se:
Simplificação do Acesso e o SisGen: A lei substituiu as múltiplas e onerosas autorizações prévias por um sistema de registro simplificado, operacionalizado pelo Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). Essa mudança buscou agilizar os processos e reduzir os entraves burocráticos.
Eliminação da Distinção entre Pesquisas: A controversa distinção entre pesquisas com e sem fins econômico-financeiros foi abolida, reconhecendo a incerteza inerente à inovação em seus estágios iniciais e simplificando o processo para pesquisadores.
Mecanismos de Repartição de Benefícios Mais Objetivos: A lei estabeleceu critérios mais objetivos para a repartição de benefícios, concentrando a obrigação no momento da geração efetiva de receita monetária. Isso inclui uma contribuição monetária de 1% da receita líquida anual (reduzível a 0,1% por acordo setorial para o produto final) e a formalização de modalidades de repartição não monetária, como projetos de conservação, distribuição gratuita de produtos e capacitação de recursos humanos.
Regularização de Atividades Passadas e Anistia: Um aspecto crucial foi a introdução de mecanismos para a regularização de atividades realizadas sob a legislação anterior e a concessão de ampla anistia para o descumprimento passado. Essa medida visava resolver disputas administrativas e judiciais de longa data, permitindo que entidades se adequassem sem repercussões punitivas por ações pretéritas.
Concomitantemente à reforma regulatória brasileira, a ciência global tem vivenciado uma "redescoberta" do valor dos produtos naturais na descoberta de fármacos. Avanços em técnicas como metagenômica e metabolômica têm aprimorado significativamente a taxa de sucesso na triagem de compostos naturais. Inovações brasileiras recentes, como o Acheflan® (um anti-inflamatório tópico derivado da Cordia verbenacea) e o Helleva® (uma substância sintética inspirada em inibidores naturais de PDE-5), demonstram o potencial de desenvolvimento local.
Além disso, a ratificação do Protocolo de Nagoia pelo Brasil, por meio do Decreto n.º 11.865/2023, que entrou em vigor para o país em 2 de junho de 2021, representa um passo significativo em direção ao alinhamento internacional. Este protocolo visa criar um ambiente estável, transparente e seguro para a pesquisa e utilização da biodiversidade. Apesar dos "grandes avanços" observados desde a implementação da lei, a Lei 13.123/2015 ainda enfrenta desafios operacionais e sistêmicos significativos.
O SisGen, embora digital, é criticado pela burocratização excessiva de seus formulários, que exigem detalhamento intenso, dificultando a agilidade da P&D. Há uma baixa participação dos detentores do conhecimento tradicional nas reuniões do CGen, afetando a repartição de benefícios, e uma ausência de representantes estaduais e municipais, o que dificulta a coordenação.
Muitas empresas ainda não se regularizaram e não estão efetuando os pagamentos de repartição de benefícios. O Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB), embora regulamentado, foi acionado pela primeira vez apenas em 2024. Persistem "dúvidas e imprecisões" e "pouca jurisprudência" no novo marco, afetando decisões de investimento e a fiscalização.
A questão do reconhecimento do Conhecimento Tradicional Associado (CTA) também gera incertezas, com diferentes interpretações sobre sua origem e acesso por fontes secundárias.
Potencial Inexplorado e a Necessidade de Aprimoramentos - Apesar dos desafios na implementação, o potencial da biodiversidade brasileira permanece vasto e, em grande parte, inexplorado. A riqueza biológica e química do país oferece uma fonte inigualável para a descoberta de novos fármacos e o desenvolvimento de bioprodutos de alto valor agregado.
A oportunidade reside na criação de um "complexo bioindustrial" que integre bioprospecção, P&D, fabricação e comercialização dentro do Brasil. A Lei da Biodiversidade é um passo importante, mas seu impacto depende inteiramente de aprimoramentos contínuos na gestão do patrimônio genético e de um ecossistema de apoio ao escalonamento.
É crucial desenvolver políticas que incentivem toda a cadeia de valor para deeptechs de base biológica, desde a pesquisa em estágio inicial até o escalonamento industrial. Isso inclui infraestrutura dedicada (laboratórios, biorrefinarias), talentos especializados e mecanismos para parcerias corporativas que mantenham a propriedade intelectual e a criação de valor dentro do Brasil.
A análise dessas três transversais tecnológicas revela um "nexo sinergético". O usuário solicitou um foco nessas três áreas, e os dados mostram que elas não são isoladas, mas intrinsecamente conectadas. A IA pode acelerar a descoberta de medicamentos a partir da biodiversidade, otimizar a P&D em biotecnologia e aprimorar diagnósticos. A biotecnologia fornece as ferramentas para manipular sistemas biológicos derivados da biodiversidade.
A biodiversidade, por sua vez, oferece as estruturas químicas brutas e complexas que a IA e a biotecnologia podem então analisar e otimizar. Isso cria um poderoso ciclo de feedback: a biodiversidade fornece os insumos únicos, a biotecnologia fornece a engenharia e a IA fornece a inteligência para o desenvolvimento rápido e a personalização.
Uma estratégia nacional não deve tratar esses pilares como separados, mas como componentes interconectados de um ecossistema de inovação holístico, fomentando programas de pesquisa e desenvolvimento interdisciplinares.
Outra constatação é que o "futuro da saúde orientado por dados" enfrenta desafios fundamentais. O potencial da IA na saúde é vasto, abrangendo desde o diagnóstico precoce até a medicina personalizada e a saúde pública. No entanto, sua adoção efetiva é dificultada por questões fundamentais como a falta de digitalização, interoperabilidade e a qualidade ou viés dos dados.
Sem uma infraestrutura de dados robusta, padronizada e segura, o poder transformador da IA não pode ser totalmente realizado. O foco na governança de dados durante a presidência do BRICS pelo Brasil é um reconhecimento dessa dependência crítica. É imperativo, portanto, priorizar investimentos nacionais em infraestrutura de saúde digital, padronização de dados e cibersegurança.
O desenvolvimento de marcos regulatórios claros para a privacidade dos dados e o uso ético da IA é um trabalho fundamental, tão crítico quanto os próprios algoritmos de IA. A Tabela 3 apresenta exemplos concretos de inovação brasileira, demonstrando que a deeptech em saúde já é uma realidade. Isso fornece evidências tangíveis do potencial e inspira confiança, ao mesmo tempo em que torna o relatório mais relacionável e menos abstrato.
Tabela 3: Startups Deeptech Brasileiras de Destaque em Saúde (IA, Biotecnologia, Biodiversidade)
Categoria | Nome da Startup | Inovação/Solução Chave | Impacto/Aplicação |
IA | IONIC Health | Sistema de operação remota de equipamentos de imagem | Acesso a exames de alta qualidade em regiões sem especialistas |
IA | Munai | Integração de dados clínicos com IA | Auxílio na prescrição de tratamentos personalizados |
IA | Huna | IA para análise de exames laboratoriais | Agilização e aprimoramento da precisão dos laudos |
Biotecnologia | gen-t | Construção do maior banco genético da América Latina | Medicina de precisão e melhoria da saúde pública |
Biotecnologia | Nintx | Terapias para doenças multifatoriais usando produtos naturais | Modulação de alvos biológicos via microbioma humano |
Biotecnologia | Aptah Bio | Moléculas sintéticas para reprogramar núcleos celulares | Tratamento de doenças relacionadas ao envelhecimento (câncer, Alzheimer) |
Biotecnologia | brain4care | Tecnologia de monitoramento não invasivo da pressão intracraniana | Diagnóstico e acompanhamento neurológico |
Biotecnologia | Peptidus Biotech | Desenvolvimento de peptídeos bioativos usando IA generativa | Novas terapias, combate a bactérias (ex: mastite) |
Biodiversidade | Symbiomics | Produção de linhagens microbianas para bio-insumos agrícolas | Soluções para agricultura |
Biodiversidade | Inspectral | Análise de qualidade da água via imagens de drone/satélite | Monitoramento ambiental e de saúde pública |
Recomendações para uma Estratégia Nacional de Apoio às Deeptechs em Saúde
Para transformar o vasto potencial do Brasil em liderança global em deeptech de saúde, é essencial uma estratégia nacional multifacetada e coordenada. Essa estratégia deve abranger políticas públicas assertivas, incentivos robustos ao setor privado e a incorporação de melhores práticas internacionais. As recomendações a seguir visam construir um ecossistema vibrante e sustentável, capaz de impulsionar a inovação e a competitividade do país.
Políticas Públicas
Simplificação Regulatória e Legal:
É crucial simplificar os procedimentos regulatórios e legais que atualmente são complexos e burocráticos, dificultando a agilidade e o desenvolvimento das deeptechs.
O novo marco regulatório da biodiversidade (Lei n.º 13.123, de 20 de maio de 2015) precisa de aprimoramentos contínuos no sistema de gestão do patrimônio genético (SisGen) para garantir que ele realmente simplifique o acesso e incentive a P&D e a comercialização local, superando os desafios históricos de incerteza jurídica que levaram à deposição de patentes no exterior.
Isso inclui a implementação de "sandboxes regulatórios", que proporcionam segurança jurídica para ações experimentais e permitem o afastamento temporário de normas aplicáveis para o teste de inovações, acelerando a jornada das deep techs. Sugere-se também a priorização da análise e a simplificação de processos junto a órgãos reguladores como a Anvisa e o INPI para novos produtos que empregam tecnologias avançadas.
É fundamental que o Código Nacional de CT&I seja continuamente monitorado e aprimorado, e que haja um consenso claro com os órgãos de controle para garantir segurança jurídica aos gestores públicos que fomentam a inovação.35
Aumento e Diversificação do Financiamento Público:
O volume de financiamento público para deeptechs precisa ser aumentado e sua previsibilidade melhorada, visto que o investimento público em C&T regrediu significativamente na última década e o volume atual é frequentemente insuficiente para as necessidades de capital intensivo dessas empresas.
Deve-se alocar mais recursos não reembolsáveis, que são cruciais para deeptechs em estágio inicial com longos ciclos de P&D e retornos incertos.
Promover modelos de financiamento mistos, que combinem recursos públicos e privados, e utilizar instrumentos financeiros diversificados para atender às necessidades das deeptechs em diferentes estágios de maturidade.
Incentivar a criação de fundos de venture capital especializados em deeptech e saúde, talvez por meio de co-investimentos com agências públicas, para preencher a lacuna deixada pelos fundos generalistas.
Compras Governamentais como Impulsionador de Mercado:
Utilizar as compras governamentais como um mecanismo para impulsionar o mercado de deeptechs.11 O governo pode atuar como um "primeiro cliente", fornecendo validação crucial e um canal de entrada no mercado para essas empresas inovadoras, especialmente em áreas de saúde pública.
Introduzir mecanismos claros e explícitos para a contratação de P&D pelo setor público na legislação de licitações, garantindo maior segurança jurídica para os gestores públicos.
Desenvolvimento de Talentos e Infraestrutura:
Implementar políticas públicas para atrair e reter talentos altamente qualificados, como pesquisadores e engenheiros, que são escassos no Brasil em comparação com países desenvolvidos. Isso pode incluir programas de bolsas, incentivos para retorno de talentos e facilitação de vistos.
Investir na expansão e consolidação de infraestruturas de pesquisa de ponta, incluindo laboratórios multiusuários e centros de pesquisa de grande escala, para reduzir os altos custos de P&D para as startups.
Fomentar a mentalidade empreendedora nas universidades e oferecer treinamento robusto em gestão de negócios para pesquisadores, criando caminhos e incentivos claros para a transferência de tecnologia e a criação de spin-offs.
Fortalecimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS) e o Programa Nova Indústria Brasil (NIB):
O CEIS é um componente crucial para reduzir vulnerabilidades no Sistema Único de Saúde (SUS) e expandir o acesso à saúde, sendo vital o investimento no fortalecimento da pesquisa em biotecnologia e na produção local de insumos médicos para a soberania nacional.
O Programa Nova Indústria Brasil (NIB) é um novo marco de política industrial, orientado por missões, que visa criar uma indústria competitiva no Brasil. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) está totalmente integrado ao NIB, realizando investimentos estratégicos em diversas áreas.
O NIB prevê instrumentos financeiros, como linhas de crédito, subsídios governamentais e incentivos fiscais, além da expansão de fundos setoriais e a criação de um fundo de venture capital para apoiar atividades tecnológicas, especialmente spin-offs acadêmicas.
São cruciais a criação de instrumentos de crédito específicos para deeptechs em setores emergentes como bioeconomia, energias renováveis e inovação social, bem como a simplificação de procedimentos regulatórios e a promoção de sandboxes regulatórios para acelerar o desenvolvimento dessas empresas.
Áreas estratégicas para investimento em CT&I alinhadas ao NIB incluem Inteligência Artificial e Ciência de Dados, Agricultura Sustentável, Indústria 4.0, Cidades Inteligentes, Computação Quântica, Saúde e Biotecnologia, Transição Energética Sustentável e a Bioeconomia da Amazônia e Biodiversidade.
Coordenação e Articulação do Ecossistema
Criação de um Comitê Nacional de Deeptech em Saúde:
Estabelecer um comitê ou força-tarefa nacional dedicado à deeptech em saúde, composto por representantes do governo (ministérios da Saúde, Ciência e Tecnologia, Economia), agências de fomento, universidades, centros de pesquisa, investidores (VCs, anjos, CVCs), aceleradoras, grandes empresas e associações da indústria. Este comitê teria como função principal orquestrar os esforços, mapear recursos, identificar lacunas, facilitar parcerias e monitorar o progresso da estratégia nacional, garantindo sinergia e evitando duplicação de esforços.
Plataforma Centralizada de Inovação:
Desenvolver uma plataforma digital centralizada que conecte todos os atores do ecossistema deeptech em saúde. Essa plataforma poderia servir para:
Mapear startups, pesquisadores e projetos.
Divulgar oportunidades de financiamento (públicas e privadas).
Facilitar a busca por talentos e parcerias.
Compartilhar dados e melhores práticas.
Promoção de Colaboração Multi-Hélice:
Incentivar ativamente modelos de "inovação aberta" entre deeptechs e grandes corporações/hospitais.
Fortalecer a colaboração entre universidades e empresas, por meio de programas de P&D conjuntos, licenciamento de tecnologias e incubadoras/aceleradoras universitárias.
Foco nas Transversais Tecnológicas
Inteligência Artificial:
Priorizar investimentos em infraestrutura de saúde digital, padronização de dados e cibersegurança, que são fundamentais para o pleno desenvolvimento e adoção da IA na saúde.
Desenvolver marcos regulatórios claros para a privacidade dos dados e o uso ético da IA, garantindo a segurança e a confiança necessárias para a sua expansão.
Promover programas de capacitação para profissionais de saúde, transformando-os em "AI First Thinkers", capazes de integrar a IA em suas práticas clínicas.
Biotecnologia:
Incentivar a criação de um "complexo bioindustrial" que integre bioprospecção, P&D, fabricação e comercialização de produtos biotecnológicos dentro do Brasil. Isso inclui o desenvolvimento de infraestrutura dedicada, como biorrefinarias.
Fomentar a formação de equipes multidisciplinares nas startups de biotecnologia, combinando expertise científica com habilidades de gestão e comercialização.
Biodiversidade:
Lançar programas de bioprospecção em larga escala, com foco em biomas brasileiros e suas aplicações na saúde, garantindo a repartição justa e equitativa de benefícios.
Criar incentivos para que a propriedade intelectual derivada da biodiversidade seja desenvolvida e depositada predominantemente no Brasil, revertendo a tendência atual de patentes estrangeiras.
Estratégias para o Patenteamento e a Internacionalização - A "fuga de patentes" é um sintoma de um problema mais amplo: a não integração plena do ecossistema de inovação brasileiro nas cadeias de valor globais para produtos baseados em biodiversidade.
Para reverter essa tendência e impulsionar a comercialização local:
Incentivos ao Patenteamento Local e Proteção Internacional da PI: É fundamental abordar a questão do patenteamento estrangeiro (92% das patentes da flora da Mata Atlântica desenvolvidas no exterior) implementando incentivos e mecanismos de apoio mais robustos para o depósito de patentes localmente.
Isso inclui a simplificação dos processos do INPI e a oferta de assistência jurídica e financeira para a proteção da propriedade intelectual tanto no Brasil quanto internacionalmente.
Fomento à Visão Global desde a Concepção: As startups de deep tech e as iniciativas de pesquisa brasileiras devem ser incentivadas a adotar uma visão global desde sua concepção, investigando ativamente soluções internacionais e buscando acesso a tecnologias e clientes além das fronteiras nacionais.
Promoção da Colaboração Global: Intensificar os esforços para promover a internacionalização de empresas e universidades brasileiras no campo das deep techs. As tendências positivas de colaboração científica internacional devem ser alavancadas para fomentar projetos conjuntos de P&D e facilitar o acesso a mercados globais.
Alinhamento com Padrões Internacionais: Garantir continuamente que a legislação e as práticas brasileiras relativas ao patrimônio genético e à propriedade intelectual estejam alinhadas com acordos e melhores práticas internacionais, como exemplificado pela ratificação do Protocolo de Nagoia.
Conclusões e Perspectivas Finais
O Brasil possui os ingredientes essenciais para se tornar uma potência global em deeptech de saúde: uma base científica robusta, talentos crescentes, uma biodiversidade incomparável e um setor público engajado. No entanto, a análise detalhada revela que o ecossistema ainda enfrenta desafios significativos, como a lacuna de financiamento privado, a complexidade regulatória e as barreiras culturais no ambiente acadêmico.
A superação desses obstáculos exige uma estratégia nacional coesa e de longo prazo.As recomendações apresentadas visam criar um ambiente propício para que as deeptechs brasileiras em saúde possam florescer, escalar e competir globalmente. Isso implica um compromisso contínuo com o aumento do investimento público e a atração de capital privado paciente, a simplificação regulatória, o fomento à cultura empreendedora nas universidades e a construção de infraestruturas de P&D de ponta.
A sinergia entre Inteligência Artificial, Biotecnologia e Biodiversidade é a chave para desbloquear o potencial transformador do Brasil na saúde. Ao orquestrar os esforços de todos os atores e focar nessas transversais tecnológicas, o Brasil pode não apenas resolver seus próprios desafios de saúde, mas também contribuir significativamente para a saúde global, consolidando sua posição como um líder em inovação global.
Referências Bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 21 maio 2015.

por Marcio de Paula
Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde - IBIS
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